Tradição que atravessa os Séculos

A noite de um Baile de Debutantes se torna mágica e remete todos os participantes para outro tempo na história - Século XVIII, quando anfitriões da nobreza francesa, alemã, inglesa e austríaca organizavam um grandioso baile de gala para iniciar sua filha, que completava 15 anos, à vida na sociedade. Naquela época, o ritual de passagem era marcado pela troca de vestidos da debutante: o vestido de criança por um vestido majestoso, colocado a meia noite, para dançar a valsa com o pai e, a partir dessa noite, a garota passava a se vestir como adulta. Mais tarde outros ritos foram acrescentados a essa tradição, um deles, era a troca dos sapatos, o pai substituía a sapatilha da menina por um sapato de saltinhos, ato simbolizando aos convidados que sua garotinha estava pronta para dar seus próprios passos como mulher, e a partir de então, autorizada a frequentar reuniões sociais, usar roupas mais adultas e tinha a permissão para namorar, inclusive, esta era a maneira das famílias nobres atraírem possíveis pretendentes à jovem. Enfim, de salto alto, a moça estava pronta para estrear e dançar sua ‘Primeira Valsa’, uma das principais marcas da entrada da debut (débutante significa estreante, iniciante em francês) ao mundo adulto. A valsa, considerada a mais antiga dança de salão europeia, antes de se tornar incremento oficial para eventos pomposos, foi proibida pela igreja e aristocracia até 1815, as quais a consideravam vulgar. Neste ano, o músico austríaco Neukomm, promoveu uma reviravolta, introduzindo a valsa numa reunião internacional, a qual caiu no gosto dos grandes reinos como o ritmo mais apreciado no mundo.
No Brasil, na década de 50, os bailes de debutantes viraram febre no país. Alto requinte, digno da realeza, era o pilar motivador para as primeiras festas, enriquecido como uma grande ocasião pelo destaque em colunas sociais. Em seguida, para economizar, as famílias começaram a apresentar suas filhas em conjunto, reunindo-as em clubes ou igrejas. Já na década de 80, houve uma queda na procura por esses bailes, motivada pela preferência, de muitas meninas, à viagens como presente, e outras razões, diziam respeito à alta inflação da época. Em meados dos anos 90, com a economia estabilizada, as comemorações retornaram com força total e, dali em diante, os bailes se mantiveram vivos, claro que não com a mesma pompa dos antecessores, porém, com criatividade, o “Baile Branco” de hoje, ainda se baseia na pureza do sentimento e no simbolismo da comemoração.
Os Bailes em Araranguá
A tradição, por mais incrível que pareça, se mantém em alta na região de Araranguá desde 1955, quando muitas famílias da elite sul catarinense, principalmente oficiais militares se encontravam no Fronteira Clube para o consagrado Baile de Debutantes da Cidade das Avenidas. Neste período, o clube era localizado no calçadão, no atual prédio da Galeria Fronteira, a qual mantém o nome, permanecendo ali por mais de 20 anos até se juntar à estrutura da parte esportiva do Grêmio Araranguaense, adquirida em 1941. Daí, houveram novos desdobramentos, quando na década de 60, uma fusão entre o Fronteira Clube e GEA – Grêmio Esportivo Araranguaense - formaram o atual Grêmio Fronteira Clube.
Entre os anos de 1976 e 1995, o Grêmio Fronteira não realizou bailes, mas o município continuou com o seu principal evento social, acontecendo simultaneamente no União Clube Cidade Alta (UCCA), marcante por ser o primeiro a trazer artistas globais para dançarem a valsa com as debutantes, e também, no Araranguá Tênis Clube, lembrado por suas transmissões ao vivo pelas redes de TV.
Em 1965, o Araranguá Tênis Clube, dava início às suas belas organizações do tradicional baile e em 1969, o UCCA chegava para realizar o seu primeiro Baile de Debutantes. Mais tarde, na década de 70, o antigo prédio do Fronteira, foi desativado, prosseguindo os bailes nos outros dois clubes da cidade, e durante alguns anos, as jovens debutantes se apresentavam tanto nos clubes do Centro quanto no bairro Cidade Alta, sempre com muito glamour e a presença disputada de espectadores para a grande noite, relembra com saudade, a araranguaense Maria Cristina B. Grechi que em 1974 debutou no Tênis, e dias depois, trajando o mesmo vestido, desfilou para a sociedade no UCCA.
O retorno dos bailes no Grêmio
Em 1996, após a construção da nova e atual parte social do Grêmio Fronteira, o Baile Branco voltou com força total, passando sua administração dos bailes, até então sob o comando do memorável Clube dos Vinte, para uma diretoria eleita por associados do clube, cujo primeiro presidente a inaugurar o novo espaço e restaurar os eventos sociais foi Eurico da Costa Ferreira.
Nos primeiros bailes de gala no UCCA cada menina tinha a sua madrinha, e no Tênis Clube, geralmente, havia duas patronesses, já no retorno das festas no Grêmio, a figura da patronesse não existia, era selecionado um casal ativo no clube para ser homenageado como padrinhos das meninas. Sendo essa forma substituída, em 2001, com a primeira patronesse convidada, Gisela Scaini e, a partir daqui, todos os detalhes são guardados por Clarice Roglio de Oliveira, esposa do diretor social do Grêmio Fronteira, Sr. Rubens Tortato de Oliveira. “Guardo anotações até dos cardápios dos bailes”. A dama do social, por mais vezes consecutivas, chega ao seu 10º baile em 2012 sentindo a mesma e boa ansiedade. “Acredito que ainda há na cidade a mesma preparação para o baile como em décadas atrás”.
As Mudanças
“Antes, para a menina se tornar uma dama e entrar para a sociedade, ela recebia aulas de etiqueta, de postura e oratória, ensinamentos que não são tão aplicados hoje em dia, mas ainda me surpreendo com os valores familiares: enquanto umas pareciam certas a debutar, o desejo acaba partindo de outras meninas ”, descreve Clarice. Além disso, debutar continua sendo a repetição do sonho que passa de uma geração a outra, por exemplo, nesse ano, três mães revivem a sua noite encantada ao debutar suas filhas – Tayana Sandrini Lopes, filha de Rejane Sandrini Lopes (debutante de 1984 no Tênis Clube); Laís Eduarda da Silva, filha de Luciana Canteli da Silva (debutante de 1983 no UCCA) e Júlia Tuon Colares também dá continuidade a tradição iniciada pela mãe Deise Tuon Colares (debutante de 1985 no Tênis Clube de Araranguá, UCCA e Sombrio Tênis Clube), entre outras.
As debutantes Maria Cristina B. Grechi – 1974 e Cristiane Abatti - 1996 partilharam do significado em debutar quando a educação era mais rigorosa, onde era exigido que a noite de apresentação fosse realmente o primeiro baile das moças iniciantes. Maria também relata a diferença, dos encontros entre as debutantes do século passado, que aconteciam quase que só para os ensaios e o sentido que havia em debutar nas suas épocas: “Vivemos num tempo em que sonhávamos com um príncipe e acreditávamos no amor com mais inocência”, observa ela.
Já para James Périco, promoter do baile do Grêmio Fronteira há 10 anos, a essência em debutar se mantém a mesma. Conforme a programação, os rituais de agora são moldados pela simplicidade e personalidade das novas gerações. As debutantes de 2012 tem cerca de 10 atividades, que inclui da despedida de criança até o encontro com responsabilidades. “Nós tentamos passar para elas valores importantes como assumirem o início de uma nova fase da vida, pois a partir desse acontecimento, a sociedade passa a cobrar uma nova postura de comportamento e de atitudes. O pisar na escada que as guia até seus pais e padrinhos no Grande Baile é a entrada oficial para a maturidade e independência. Meu intuito com a forma de organizar esse ritual é fazer com que elas se sintam a melhor pessoa do mundo, cresçam como seres humanos, e não apenas uma futura mulher dona do vestido da melhor marca”, finaliza James. A 1ª dama do clube, Eriane Cardoso Cândido acrescenta outros grandes aprendizados. “A convivência com outras garotas com gostos diferentes, até de outra classe social, as fazem respeitar as diferenças”, finaliza.
O glamour da época e também da atualidade, está documentado, através das lentes do pioneiro Querino Mazzuco, fotógrafo oficial a registrar os melhores momentos das Debutantes, nos três clubes. Seu Querino contabiliza mais de 40 bailes em seu currículo, desde a época em que as fotografias eram em preto e branco, os cuidados precisavam ser redobrados, para não perder a pose do momento, e ainda, aproveitar bem o uso dos filmes de 24 ou 36 poses, levados em certa quantidade, para registrar cerca de 200 fotos, no máximo. Hoje, na era digital, o consagrado fotógrafo, se dedica à administração da loja Foto Mazzuco junto com os dois filhos, Cristiane e Eduardo, que seguem os ensinamentos do mestre, deixando a honrosa responsabilidade de registrar os eventos para sua equipe de profissionais com suas modernas câmeras.
Comércio e serviços estimulados
Um evento dessa grandeza, serve de estímulo também para os profissionais do ramo e vários setores da economia do município e região, como os salões de beleza, lojas calçadistas, boutiques, lojas de aluguel e venda de trajes, joalherias, lojas de acessórios e afins. Eles precisam investir em qualidade e quantidade, pois o trabalho aumenta com as pessoas tão envolvidas nos preparativos para fazer bonito na Grande Noite, mais ainda as debutantes, que participam por três meses de encontros antes do baile. A grandeza dos fatos é comprovada nos números, segundo o presidente José Adilson Candido, um recente levantamento mostrou que o movimento econômico na cidade, nestes poucos meses, é de 1 milhão de reais, disto, 150 mil são investimentos do clube para o baile. “É por ser a ‘safra’ para muitos tipos de comércios, que hoje é o principal e maior evento social do município”, ressalta o presidente, enquanto revela uma novidade em primeira mão. Inaugura, na noite do baile, o novo lustre central do salão, é o maior lustre de clube do sul catarinense. Ele foi importado da China, pesa em torno de 200 kilos, todo ornamentado em cristais e só será montado na véspera do baile.
Para dona Clarice, o maior evento social da cidade fez surgir na região muitas empresas do segmento de roupas, acessórios de alto requinte, antes encontrados somente em grandes cidades. Além disso, outras profissões que estavam adormecidas têm seu auge e lucro garantido, enquanto atendem muitos pedidos para o baile, como alfaiates, costureiras, estilistas e bordadeiras, mantendo-se em alta os trabalhos profissionais e manuais como nos tempos áureos.
A intensidade dos serviços se modifica tanto no período do baile, inclusive para prestadores de serviços e fornecedores, das flores, por exemplo, que coloriram o cenário na noite do baile preparado por Silvia Espíndola Inácio, a Silvia Flores, decoradora e a design floral especializada pela Escola Italiana de Arte Floral de São Paulo, que acumula 10 bailes na bagagem. Nesse ano, Silvia utilizou mais de quatro mil hastes florais entre Delfinos, Lisianthus e rosas colombianas para a ambientação do clube, combinando os tons com as cores da decoração.
Tão importante quanto o crescimento econômico do local, o tradicional Baile de Debutantes de Araranguá é uma festa para todos os bolsos desde as décadas passadas, quando os familiares ‘davam sempre um jeito de debutarem as filhas’, assegura Mazzuco. Para a sócia Clarice o evento araranguaense continua sendo para quem tem menos poder aquisitivo, que recebem ajuda dos padrinhos para participar.
Visão atual e essência
Uma novidade no baile desse ano foi a oportunidade de uma garota ganhar sua noite de estreia, com todo o pacote de programações incluso. A estudante Júlia Oliveira Rodrigues, 15 anos, moradora em Araranguá, se inscreveu, no último instante, na Promoção Debutante dos Sonhos, do programa Guilherme Santos em parceria com o clube Grêmio Fronteira. Sua resposta à pergunta: “Por que eu mereço ser a debutante dos sonhos?”, com uma linda história de vida, comoveu a todos, resultando numa votação unânime da comissão formada pelos patrocinadores e clube. Filha única de família goiana, aos 13 anos teve de ser a responsável pela casa quando sua mãe e pai adoeceram. Com sua infância interrompida, se mudou para Araranguá para morar com a tia, e ao chegar aqui, sabendo da promoção, ficou imaginando como seria o ‘Conto de Fadas’ de uma debutante. E agora, o destino quis que ela vivenciasse literalmente esse sonho, que para ela, representou um forte estímulo para o início de uma nova fase na vida, um novo sonho, a carreira profissional que pretende seguir.
Com a oportunidade ímpar oferecida à Júlia Rodrigues no ano de 2012, os dirigentes do clube, que consagra 80 anos de atividades, sentem-se honrados e orgulhosos em continuar mantendo viva essa chama de tradição, que ainda desperta desejo, tem tempos modernos, tanto nos pais, em apresentarem suas filhas à sociedade, quanto nas garotas, em viver esse sonho de encantamento: “É a reunião de várias gerações da mesma família”, afirma o vice-presidente e sócio remido do Grêmio Fronteira, Cláudio Gomes, sobre o Baile de Debutantes do clube ter se tornado o acontecimento mais esperado no Vale do Araranguá. A cultura em unir famílias tradicionais ainda permanece, acreditam o presidente atual do clube, José Adilson Cândido e o diretor social Rubens Tortato de Oliveira. “Temos intacta uma cultura que valoriza a união das famílias, revivendo todos os anos a mesma energia no baile”, finaliza José Adilson. “O principal motivo deste evento perdurar, está na motivação da comunidade regional em participar. Tudo na vida depende de motivação, e enquanto a sociedade acreditar na importância dos vínculos sociais e se manter interessada, o baile existirá”, conclui Cláudio Gomes.
Por Elisa Gabriela Slovinski – da Sul Fashion
*Uma publicação da ed.41º da Revista Sul Fashion (de setembro/12).