Trajetória de amor ao passado e resgate da vivência em comunidade

O Jornaleco de Araranguá é um canal em que a população compartilha alegrias e conhecimento e, ao mesmo tempo, recorda o passado de gerações e fatos do município

Não há quem não conheça o famoso e tradicional Jornaleco de Araranguá. Caso não seja de seu conhecimento de que veículo trata-se é porque, provavelmente, não mora na cidade.  A publicação quinzenal já faz parte da cultura e identidade do município e está presente nas casas de família e em locais como mercados, lojas, igrejas e na biblioteca municipal.

 

O jornal atualmente exibe matérias sobre saúde, entrevistas, poemas, crônicas, fotos antigas, piadas, curiosidades e notícias que ocorreram há cerca de 40 anos, publicadas pelo jornal Correio de Araranguá. A própria história da fundação do Jornaleco tem ligação direta com a trajetória deste jornal.

 

O criador do Jornaleco, o editor Ricardo Grechi, conviveu desde muito novo com o dia a dia de uma gráfica porque a família era proprietária da Gráfica Orion Editora, e o pai, Ernesto Grechi Filho, dono do Correio de Araranguá. A mídia publicada entre os anos de 1960 e 1975 noticiou eventos esportivos e sociais, além da movimentação no trânsito da BR-101, obras públicas do município e até acidentes, porém, de forma narrativa. O veículo era realizado pela técnica da tipografia, grifando letra por letra em uma placa de metal.

 

A ideia da criação

Grechi trabalhou durante 22 anos na Gráfica e, em certo dia, quando estava pensando, despreocupadamente, teve a ideia de fazer um jornal, uma pequena publicação realizada apenas por hobby.

 

O rapaz, na época, ouviu o futuro nome do jornal pelo promotor de eventos na época e que atualmente trabalha no setor de turismo, Glauco Barros, que tentando entender o que o amigo queria com a criação de um jornal, acabou usando a palavra jornaleco. O título fazia referência não à qualidade das matérias que iriam ser divulgadas, mas ao tamanho do jornal, inicialmente concebido como um panfleto.

 

O filho, Gibran, porém, foi quem deu a palavra final na escolha do nome de “batismo” da publicação, optando pela atual alcunha conhecida por todos na comunidade. Grechi até a 10ª edição assinava as matérias do jornal como “The Band”, em homenagem a banda de quem era fã. O Jornaleco ganhou finalmente vida em abril de 1994.

 

O início

Na época, havia três jornais que circulavam semanalmente, e naquele ano, o computador era um objeto raro, tanto que apenas uma gráfica possuía o eletrônico para desenvolver a estrutura do jornal. Mesmo possuindo o aparelho, Grechi contratou uma pessoa para ensinar a manusear o programa de computador para projetar o impresso. Não foram poucas as vezes que o araranguaense perdia textos produzidos pela falta de experiência com a moderna máquina.

 

Quanto ao custo, o jornal nunca teve fins lucrativos, sendo que o valor arrecadado com os anunciantes ainda serve para cobrir as despesas da produção do impresso. A prefeitura também contribui com um valor, mas que não é uma grande quantia.

 

Colaboração e apoio da comunidade

Na época em que chegou às mãos do público, o primeiro exemplar era formado por 70% de piadas, curiosidades e dicas e 30% eram informações a respeito de fatos antigos e fotos, e a tiragem era de 2000 exemplares, o dobro da quantia atual. Entretanto, nas edições posteriores, o conteúdo e o enfoque mudaram, e a publicação deu preferência à história do município.

 

Para ajudar a compor o cenário das notícias da época, Grechi recorreu ao arquivo do Correio de Araranguá, que dispunha de imagens e informações daquele período. O jornal ganhou uma seção que exibe até hoje as matérias publicadas outrora no veículo extinto.

 

Com as constantes publicações, a comunidade passou a colaborar com material, disponibilizando imagens e/ou informações a respeito de pessoas e momentos históricos da cidade, enriquecendo ainda mais cada reportagem exibida no jornal.

 

Canal da identificação com o público

No Jornaleco, sempre é publicado um perfil de uma personalidade célebre da cidade, muitas vezes na capa.  A única prefeita de Araranguá foi uma destas pessoas, Alzira Rabello Elias, que governou a cidade em duas ocasiões, uma durante a licença do então prefeito Edmundo Grizard, em 9 de janeiro de 1946, e no processo da troca da posse da administração, em  30 de janeiro do mesmo ano e, consequentemente, para a posse de Afonso Ghizzo.

 

Grechi frisa que uma das recompensas pela realização é o reconhecimento da população. “Eu capto a emoção das pessoas nas matérias; claro, dá trabalho, mas depois que você vê a matéria publicada, você se sente realizado. As pessoas se vêem no jornal e se apaixonam; muitas vezes, eu escuto: - Poxa, que legal, saiu uma foto minha ou da minha família no Jornaleco! E o que se fala na cidade é que todo mundo acabou, um dia, saindo no jornal, mas é um desafio”, conta.

 

Entretanto, não são todas as pessoas que demonstram gratidão por saírem no Jornaleco. O editor, pelo menos no início, importava-se com a consideração ao trabalho. Hoje, entretanto, entende que o fato não é o mais importante. “Às vezes, você faz uma matéria completa e a pessoa não te agradece, porque acabou esquecendo, por exemplo. No máximo que ganhei de presente foi um par de meias de uma professora e uma garrafa de vinho de um político antigo. A gratificação é subjetiva. É o trabalho que passou para concluir a reportagem”, ressalta.

 

Jornal realizado com a contribuição de leitores e colaboradores

O perfil dos leitores do Jornaleco é diversificado. As donas de casa, na opinião do fundador, são atraídas pelas notícias a respeito de saúde e beleza; já os homens lêem as reportagens que envolvem futebol e vêem as fotos dos times antigos. Tão importantes quanto os leitores, são os colaboradores que escrevem para o jornal e permitem que a publicação tenha uma variedade de opiniões e conteúdo atrativo.

 

Há colaboradores que não escrevem há algum tempo, mas lêem regularmente a publicação e acompanham a evolução do Jornaleco desde a fundação, em 1994. Este é o caso do secretário de Educação, Cultura e Esporte, Alex Rocha. Rocha acompanhou a criação e colaborou frequentemente na segunda metade dos anos 90 e até o primeiro semestre de 2005.

 

O secretário escreveu crônicas e publicações de capítulos sobre a memória local e regional. A falta de tempo fez com que parasse de escrever novos textos para a publicação. Entretanto, para um eventual pedido do editor do Jornaleco, Alex possui material guardado no computador.

 

O secretário destaca que as qualidades do veículo estão ligadas à diversidade de abrangência de conteúdo, o tempo de existência e a quantidade das publicações.  Como leitor, a qualidade editorial e as características próprias do jornal explicaria o sucesso do panfleto cultural.

 

“O jornal é muito bem feito. Eu costumo dizer que o Jornaleco é a enciclopédia cultural de Araranguá. É um meio de valorização das personalidades locais que tem histórias, mas que não são notadas na sociedade. É um jornal que não despreza as coisas simples e que passam despercebidas pelas pessoas”, ressalta.

 

Além de buscar as histórias de vida na comunidade, o Jornaleco abre caminho para cronistas ou poetas que desejam ter um espaço para divulgar idéias e poemas.

 

Alex elogia à obra e cumprimenta também o criador. O secretário dá ênfase à postura de Grechi e frisa que o fundador do Jornaleco seria o intelectual literário mais preparado de Araranguá. “Ricardo é um crítico, tem discernimento muito acentuado em relação à literatura”, aponta.

 

Outras pessoas que até hoje agem para que o Jornaleco possa existir e se fortalecer como publicação histórica e criativa são nomes como os dos colaboradores Aimberê Machado, Lony Rosa, Gibran Grechi e Léia Batista; o distribuidor Nilsinho Nunes e a responsável pelo contato comercial, Rossana Grechi.

 

O editor, talvez, não imaginava o sucesso entre o público que o jornal acabaria alcançando. “O Jornaleco é um símbolo e ganhou o respeito da população. Não há interesse envolvido e nem propaganda política. O Jornaleco é cultura em conta-gotas”, resume.

 


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